Prefácio
Jorge Palmares
Hospital Privado da Boavista (HPP)

A Tear Film and Ocular Surface Society (TFOS), uma entidade sem fins lucrativos, organizou, ao longo de 2 anos, vários workshops em que intervieram mais de 50 experts mundiais, interessados na Disfunção da Glândula Meibomiana (DGM). Deste esforço conjunto resultou o relatório publicado na IOVS (Investigative Ophthalmology & Visual Science - Março 2011).

Tal como no Dry Eye Workshop (DEWS) os objectivos principais deste workshop eram definir e classificar a DGM, estabelecer um consenso sobre o funcionamento da glândula de Meibomius, tanto na saúde, como na doença, e divulgar estes conhecimentos na comunidade científica.

A DGM é a principal causa da doença do olho seco em todo o mundo, mas que não reúne um consenso global na sua definição, classificação, diagnóstico e, consequentemente, no seu tratamento. É uma doença da superfície ocular, prevalente, crónica e difusa, que provoca alteração do filme lacrimal, com sintomas de irritação ocular, inflamação (duvidosa e controversa), com potencial impacto no bem-estar e na qualidade-de-vida dos doentes.

O interesse no conhecimento da prevalência, distribuição geográfica e factores de risco da DGM só recentemente começou a surgir. O mesmo se passou com a doença da superfície ocular e olho seco, em que a investigação clinico-laboratorial, estratégias para a sua prevenção e tratamento cresceram de forma exponencial.

Embora descrita há mais de 100 anos, os estudos populacionais da DGM existentes são insuficientes para calcular a sua incidência e prevalência, porque não há consenso quanto à definição e ao estudo clínico estandardizado desta doença. Ainda não há concordância no teste gold standard para o diagnóstico da DGM. A prevalência de DGM é mais elevada nas populações asiáticas (> 60%), enquanto nos caucasianos varia entre 3,5% e 19,9%.
A comunidade médica tem que se focalizar mais no conhecimento das inter-relações entre os sintomas da DGM e a osmolaridade lacrimal, os potenciais biomarcadores e os factores de risco (a DGM é um factor de risco ou causa da doença do olho seco? Ou a doença do olho seco é factor de risco ou causa de DGM?).

É sabido que 50% dos utilizadores de lentes de contacto têm frequentemente sintomas de olho seco, que poderá ser devido à DGM, uma vez que as lentes de contacto têm efeito prejudicial na função da camada lipídica, que estabiliza e impede a evaporação do filme lacrimal, o que provoca muitas vezes desconforto ocular. A insuficiente camada lipídica pode aumentar a evaporação, a hiperosmolaridade e instabilidade do filme lacrimal, a inflamação e o crescimento bacteriano na margem palpebral.

Este relatório propõe uma classificação da DGM, baseada na secreção glandular, em 2 categorias: estadio hipo-secretório ou obstrutivo e estadio hiper-secretório. O estadio obstrutivo é influenciado por factores endógenos (idade, sexo, alterações hormonais) ou factores exógenos (medicação tópica).

Os factores oftálmicos importantes são a blefarite anterior, o uso de lentes de contacto, o Demodex folliculorum e o olho seco. São de realçar, como factores sistémicos, a deficiência androgénia, menopausa, envelhecimento, síndrome de Sjögren, colesterol, psoríase, atopia, rosácea, hipertensão e hiperplasia benigna da próstata. A associação de fármacos com a DGM inclui antiandrogénios, terapia hormonal pos-menopausa, anti-histamínicos, psicofármacos e retinóides. A dieta com ácidos gordos ?-3 parece ser protectora.

Para auxiliar o diagnóstico diferencial de sintomas relacionados com DGM, como o olho seco evaporativo e o olho seco por deficiência aquosa, são necessários questionários sintomáticos (Ocular Surface Disease Index - OSDI; Dry Eye Questionnaire - DEQ), colorações vitais, teste de Schirmer, medição do pestanejo, do menisco lacrimal e da osmolaridade.

O tratamento da DGM varia muito de continente para continente, pelo que as tabelas propostas neste relatório, serão muito úteis para estabelecer o estadio da doença e orientar o tratamento através de um algoritmo.

A falta de consenso na terminologia e nos testes usados nos ensaios clínicos da DGM limita muito o estudo e a comparação de resultados, pelo que a recomendação final do relatório inclui objectivos bem definidos, nomeadamente para distinguir a DGM do olho seco, utilizando testes quantitativos (osmolaridade, meibografia, interferometria, OCT de alta resolução, etc.) e técnicas para discriminar diferenças no meibum.

Futuramente, os ensaios clínicos para a avaliação de tratamentos da DGM, muitas vezes subdiagnosticada, devem ser prospectivos, randomizados e duplamente-cegos, incluindo um questionário específico e uma graduação estandardizada para sinais e sintomas. Deste modo, poderemos eterminar a história natural da DGM, clarificar a associação entre DGM e o olho seco, avaliar a viabilidade e a validade clínica dos biomarcadores dos lipídicos e proteínas e abrir novas perspectivas no tratamento destes doentes.

Jorge Palmares
Hospital Privado da Boavista (HPP)